domingo, 16 de maio de 2010

A Criatura

As nuvens estão negras e ameaçando uma briga que ficará marcada na vida de todos os habitantes de Cautausha.

O trovão solta seu primeiro estrondo e a tempestade começa; o clima está condizente com a sórdida batalha que se apruma.
A rua fica cada vez mais escura e a tempestade se intensifica, como se ela soubesse exatamente o que iria se suceder.
De repente, ao som de um grito devastador, forma-se a sombra de um ser incomum aos habitantes daquele reino, algo que toma forma e se avoluma a cada intervalo durante aquela fúria dos céus. Poucos ousam encarar tal criatura, e os que se arriscam acabam-se em tremores convulsivos.
Via-se crianças espionando pelas suas janelas, tentando observar, mesmo com uma luz precária. Qual era o objetivo daquela criatura de feições indecifráveis que caminhava lentamente? Desconhecido e estranhamente soturno, vagueia à sua velocidade. Não se mostra e não parece se esforçar para tal; simplesmente aparece, indiferente ao ambiente que passa. O murmúrio das folhagens é o único som que se escuta, além das passadas delicadas da criatura.
Ela aproxima-se das casas cada vez mais, chegando perto, mas nunca tocando-as.
Finalmente, uma das crianças, assustada, gritou de sua janela: "O que você faz aqui?".

quinta-feira, 25 de março de 2010

Fios Aracnídeos

— Preciso de um fio... pra começar a puxar — disse Beatrice, tentando se concentrar enquanto mantinha o olhar distante na direção do chão, como se fosse possível iluminar suas ideias nesse simples ato.
— Tem que tomar cuidado pra não se enrolar — comentou Marina, sua irmã. Marina estava deitada na cama, contemplando o céu noturno pela vidraçaria do teto — Está uma noite linda hoje, linda! — e sorriu.
Beatrice virou-se e, por uns instantes, fitou sua irmã por sobre o ombro. Em seguida, olhou para o céu também.
De repente, um ruído fez-se no andar debaixo.
Arisca, Beatrice, que estava sentada na beirada da cama, voltou-se para a porta do quarto.
— Você ouviu? — perguntou à irmã.
— Eu vi — Marina respondeu pausadamente — Eu vi o morcego que acabou de sobrevoar o céu lá fora... Enfim, achou seu fio?
— Hm... Talvez — Beatrice respondeu ao voltar-se para a irmã, despreocupando-se com o barulho. Puxou uma parte do lençol que estava ao seu alcance e suspirou — Marin... o que seria um fio para você?
Marina ponderou um tempo e juntou-se a irmã beirada da cama.
— Acho que é qualquer coisa que é potencialmente perigosa e emocionante... — então, ela puxou um fio do lençol sobre ela e continuou — Você nunca sabe como ou quando termina, só que quanto mais vê o fio crescer, mais tem vontade de puxar pra ver o que dá. É inspiração... E pra você?
Por alguma razão desconhecida — ou dita desconhecida —, Beatrice sorriu. Balançou seus pés vestidos com grossas meias de algodão tingidos de um rosa-claro, e respondeu enquanto mirava seus pés, numa distração:
— Um fio seria o começo. Viciante, depois de iniciado. Isso é, se você realmente se propôs a puxá-lo — Parou de balançar os pés e olhou no fundo dos olhos de Marina — São como teias, que você agarra e as puxa de um poço obscuro de teu íntimo. Mas são trabalhosas... — desviou o olhar e voltou a sorrir, timidamente.
— E você se enrola e você se prende, mas amando cada minuto — Marina sorriu — Quem é um fio pra você?
Surpreendida, Beatrice olhou-a e corou. Involuntariamente, sua mente vasculhou conhecidos e pensou em alguns garotos, porém um determinado amigo fixara-se em sua súbita pesquisa mental.
— Marin, que papo é esse? — desconcertou-se.
— Não seei, estava me perguntando uma coisa... Li uma citação de um escritor que dizia que inferno era viver sem amar... Amor é um baita fio, Bea, não acha? — ela olhou para a irmã, maliciosa — Não aja como se não esperasse isso, mamãe sempre diz que eu vejo romance em tudo.