sábado, 3 de março de 2012

A Montanha - Parte 3

Leonora olhou pra frente, os raios do Sol estavam cada vez mais fracos, ela apertou novamente a lanterna em sua mão e disse calmamente:
— Se essa menina fizer mais corpo mole, eu sou capaz de carregá-la nas costas pra não ouvir ela lamuriando sobre os mosquitos e — Leonora afinou a voz, em tom de zombaria — "É muito íngreme, Rafa, o ar aqui é muito rarefeito".
Ricardo assobiou e pôs o braço em volta da amiga:
— Depois eu quem não gosto dela.
— Olha o Sol, Cardo. — ela olhou pro lado e viu o amigo sorrir ao fechar os olhos com o sutil toque dos raios solares em sua pele — Se essa vaca me fizer perder ver ele se pôr, eu mato o Rafael.
— OPA! Olha o língua, Lé. — Rafael parou na frente dos dois, bloqueando a vista do topo da montanha — Você pode morder e se envenenar. — ele gargalhou, mas quando Amile parou ao seu lado, o riso se transformou num risinho meio sarcástico.
Ricardo se levantou e ajudou Leonora a se levantar, os dois foram andando em silêncio logo atrás do casal, fazendo piadinhas silenciosas sobre tudo que Amile fazia ou falava no restante do caminho. Quando chegaram ao topo, Amile sentou-se e colocou a pequena mochila rosa que carregava nas costas ao seu lado, Rafael sentou-se ao lado da moça e começou a dar-lhe repetidos beijos, Ricardo e Leonora, praticamente jogaram as mochilas no chão e foram sentar na beira da montanha.
— Você acha que vai ser logo? — Leonora apertou novamente a lanterna nas mãos.
— Não sei. — ele se virou, mas quando viu que as ações do casal estavam ficando um pouco mais calientes   e se virou com uma cara meio enojada — E nem vou perguntar pro Rafa quantas horas são.
Os raios de sol no topo eram bem escassos e num lago no horizonte, o Sol estava descendo rapidamente, Leonora ligou a lanterna e a apontou para o céu.
— Cardo, é estranho que aqui eu me sinta maior que o Sol e dona do céu?
— Muito. — ele riu — Mas você é estranha.

A Montanha - Parte 2

Leonora ignorou a pergunta e compartilhou sorrisos com Ricardo em silêncio, ambos apertando o passo.
— Ei, ei! Caramba, pra quê a pressa?
— Temos que chegar no topo e montar as coisas logo antes que escureça, Amile.
— Falei pra vocês que seria puxado, não falei? A minha companheira aqui é casca-dura, só os bravos como eu resistem às trilhas de Lea... Trilhas de Lea daria um bom nome pra filme, não daria, Lé?
Sem retornarem ou desacelerarem, Ricardo e Leonora prosseguiram seu curso. Não demorou muito, ouviram murmúrios de Amile alguns metros atrás. Preocupada com o acompanhamento do casal, Leonora finalmente espiou sobre o ombro. Viu Rafael, em pé sobre uma grande pedra, oferecendo apoio à namorada com a mão, pois ela não conseguia prosseguir sozinha.
— Ricardo, vamos sentar aqui um pouco e observar?
— O que? Como a natureza zomba de Amiles da vida que ousam se aventurar nas entranhas de Gaia?! Demorou. — e se sentou, já puxando o cantil para beber água.
— Cardo, você andou bebendo? Está falando cada coisa, hahaha — e Leonora sentou ao seu lado — Você não gosta muito dela, né?
— Nada contra, Leazinha. Rafael quem quis trazê-la, então ele que a aguente, por mais que ele seja meu brother.

A Montanha - Parte 1

O Sol ia se escondendo cada vez mais, Leonora sacudiu a lanterna em sua mão pela sexta vez pra se certificar de que as pilhas estavam lá dentro, o som ecoou pela montanha de uma forma que a fez estremecer. Por sorte, o topo da montanha, que era levemente plano, estava a mais ou menos uns 500 metros de distância.
— Ei, Leo. — Ricardo, seu amigo de infância a alcançou e sussurrou — A namorada do Rafael já reclamou mais de dez vezes... Você acha que ela aguenta até amanhã?
— Qualquer coisa a gente joga ela do topo da montanha... A queda não é tão ruim.
Os dois riram mais alto e Rafael, que estava a poucos passos de distância gritou:
— O que vocês estão aprontando, crianças? Eu conheço bem essa gargalhada.

domingo, 16 de maio de 2010

A Criatura

As nuvens estão negras e ameaçando uma briga que ficará marcada na vida de todos os habitantes de Cautausha.

O trovão solta seu primeiro estrondo e a tempestade começa; o clima está condizente com a sórdida batalha que se apruma.
A rua fica cada vez mais escura e a tempestade se intensifica, como se ela soubesse exatamente o que iria se suceder.
De repente, ao som de um grito devastador, forma-se a sombra de um ser incomum aos habitantes daquele reino, algo que toma forma e se avoluma a cada intervalo durante aquela fúria dos céus. Poucos ousam encarar tal criatura, e os que se arriscam acabam-se em tremores convulsivos.
Via-se crianças espionando pelas suas janelas, tentando observar, mesmo com uma luz precária. Qual era o objetivo daquela criatura de feições indecifráveis que caminhava lentamente? Desconhecido e estranhamente soturno, vagueia à sua velocidade. Não se mostra e não parece se esforçar para tal; simplesmente aparece, indiferente ao ambiente que passa. O murmúrio das folhagens é o único som que se escuta, além das passadas delicadas da criatura.
Ela aproxima-se das casas cada vez mais, chegando perto, mas nunca tocando-as.
Finalmente, uma das crianças, assustada, gritou de sua janela: "O que você faz aqui?".

quinta-feira, 25 de março de 2010

Fios Aracnídeos

— Preciso de um fio... pra começar a puxar — disse Beatrice, tentando se concentrar enquanto mantinha o olhar distante na direção do chão, como se fosse possível iluminar suas ideias nesse simples ato.
— Tem que tomar cuidado pra não se enrolar — comentou Marina, sua irmã. Marina estava deitada na cama, contemplando o céu noturno pela vidraçaria do teto — Está uma noite linda hoje, linda! — e sorriu.
Beatrice virou-se e, por uns instantes, fitou sua irmã por sobre o ombro. Em seguida, olhou para o céu também.
De repente, um ruído fez-se no andar debaixo.
Arisca, Beatrice, que estava sentada na beirada da cama, voltou-se para a porta do quarto.
— Você ouviu? — perguntou à irmã.
— Eu vi — Marina respondeu pausadamente — Eu vi o morcego que acabou de sobrevoar o céu lá fora... Enfim, achou seu fio?
— Hm... Talvez — Beatrice respondeu ao voltar-se para a irmã, despreocupando-se com o barulho. Puxou uma parte do lençol que estava ao seu alcance e suspirou — Marin... o que seria um fio para você?
Marina ponderou um tempo e juntou-se a irmã beirada da cama.
— Acho que é qualquer coisa que é potencialmente perigosa e emocionante... — então, ela puxou um fio do lençol sobre ela e continuou — Você nunca sabe como ou quando termina, só que quanto mais vê o fio crescer, mais tem vontade de puxar pra ver o que dá. É inspiração... E pra você?
Por alguma razão desconhecida — ou dita desconhecida —, Beatrice sorriu. Balançou seus pés vestidos com grossas meias de algodão tingidos de um rosa-claro, e respondeu enquanto mirava seus pés, numa distração:
— Um fio seria o começo. Viciante, depois de iniciado. Isso é, se você realmente se propôs a puxá-lo — Parou de balançar os pés e olhou no fundo dos olhos de Marina — São como teias, que você agarra e as puxa de um poço obscuro de teu íntimo. Mas são trabalhosas... — desviou o olhar e voltou a sorrir, timidamente.
— E você se enrola e você se prende, mas amando cada minuto — Marina sorriu — Quem é um fio pra você?
Surpreendida, Beatrice olhou-a e corou. Involuntariamente, sua mente vasculhou conhecidos e pensou em alguns garotos, porém um determinado amigo fixara-se em sua súbita pesquisa mental.
— Marin, que papo é esse? — desconcertou-se.
— Não seei, estava me perguntando uma coisa... Li uma citação de um escritor que dizia que inferno era viver sem amar... Amor é um baita fio, Bea, não acha? — ela olhou para a irmã, maliciosa — Não aja como se não esperasse isso, mamãe sempre diz que eu vejo romance em tudo.